29 de jun. de 2015

Pro Rege

"Ao Rei dos reis, de um coração humilde..." Assim começa uma oração do teólogo, estadista e jornalista holandês, Abraham Kuyper, na qual ele se comprometia a fazer o bem, pelo Rei dos reis. Mas o que há de tão especial nisso? Tantos outros disseram isso através da história. Com certeza, mas o que me chamou a atenção é que essa é uma oração escrita por Kuyper quando ele tinha apenas 11 anos. A carta/oração toda é muito interessante, pois retrata o sincero arrependimento de algo que ele fez, e um comprometimento com Deus em fazer o bem daquele momento em diante.
Esse é o começo do homem que depois diria:

"Um desejo tem sido a paixão predominante da minha vida. Uma grande motivação tem agido como uma espora sobre minha mente e alma. E, antes que seja tarde, devo cumprir este sagrado dever que é posto sobre mim, pois o fôlego da vida pode me faltar. O dever é este: Que apesar de toda oposição terrena, as santas ordenanças de Deus serão estabelecidas novamente no lar, na escola e no estado para o bem do povo; para esculpir, por assim dizer, na consciência da nação, as ordenanças do Senhor, para que a Bíblia e a Criação dêem testemunho, até a nação novamente render homenagens a Deus." (Citado na nota biográfica do livro Calvinismo, ECC)

Em um mundo em que cada vez mais a influência cristã parece diminuir e as doutrinas tradicionais são atacadas por fora como retrógadas, além de serem implodidas pelo relativismo moral e teológico de muitos dos "expoentes" do Cristianismo, é necessário que olhemos para Aquele que é o Autor e Consumador da nossa fé, e nos inspiremos naqueles que antes de nós encararam os grandes desafios de seu tempo.    

E um grande exemplo para mim continua sendo esse mesmo Kuyper, ainda hoje, quase um século depois de sua morte, é chamado de o maior estadista holandês. (leia mais sobre Kuyper aqui)

E o seu pensamento continua vivo. Veja o que diz Roel Kuiper, senador holandês, que é um dos membros fundadores de seu partido, ChristenUnie (União Cristã), e seu principal pensador além de ser profundamente inspirado por Abraham Kuyper, e é o novo reitor da maior universidade teológica da Holanda no seu livro Dienstbare Politiek (Política Servil ou Serva):

"Essa tradição de pensamento (n.t. a tradição de Groen van Prinsterer e Kuyper) entrou em minha vida quando, aos 17 anos, peguei alguns livros antigos da estante da nossa igreja. Pude levá-los comigo para casa. Eram os três volumes de Pro Rege, de Abraham Kuyper. Ainda hoje me pertencem. Pro Rege significa 'para o Rei'. E o Rei é Cristo. Não li muito deles na época, mas fiquei impressionado com a mensagem que vinha do título. Cristãos estão a serviço de um Rei. E esse Rei governa o mundo. Esse fato abre uma perspectiva grandiosa e rica e nos faz visualizar o papel que se pode ter nisso. Pois o 'Pro' é a meu respeito. Percebi que acomodar-se numa vida preguiçosa e abandonar o mundo a si mesmo simplesmente não é possível."  

Isso não significa que cada um de nós precise ser teólogo e/ou político. Mas entendo que o Reino é construído por aqueles que não fogem de sua responsabilidade. Aqueles que sabem que, se é verdade que Cristo reina, então devemos mostrar esse reinado, não por força ou violência, mas servindo com excelência naquilo que somos vocacionados por Deus, onde quer que Ele nos envie.

Sim, isso significa viver na contramão do mundo. E isso me lembra mais um episódio da vida de Kuyper. Durante sua vida, principalmente política, ele foi ridicularizado e atacado de todas as formas, a ponto de diversas vezes sair da Holanda por períodos prolongados. Um cartunista, por exemplo, Albert Hahn, fez mais de 450 charges de crítica a Kuyper. E isso foi apenas um chargista, tinha diversos outros. Mas Kuyper, apesar de editor-chefe de 2 jornais (um diário e um semanal) nunca respondeu na mesma moeda. E até os encorajou quando quiseram fazer um livro das caricaturas dele pois dizia que seus filhos achavam graça. (veja a reação dele a respeito aqui)

Sim, significa viver de outra forma, com outras prioridades, outros alvos, outra ética, outros estudos, outros trabalhos, outra agenda que aqueles ao nosso redor. É viver de fato o "estar no mundo mas não ser do mundo".

Se queremos uma relevância cristã em países ocidentais hoje isso exigirá trabalho, estudo, sacrifício, devoção, compromisso, dedicação, oração, santificação, fé, esperança e amor.

Um outro exemplo de ação cristã no século presente é a ação do partido ChristenUnie na Holanda atualmente. O partido é bem pequeno em comparação com diversos partidos tanto da coalização que governa quanto da oposição. No entanto, com sua "oposição positiva" causam um impacto, tanto que em pesquisa recente foi demonstrado que em termos de trabalho e efetividade o partido tem duas representantes entre os 3 melhores da Segunda Câmara (primeiro e terceiro lugar, veja aqui). Ou seja, é o partido que mais tem seus projetos e suas emendas aprovadas, por trabalho efetivo, apoio e oposição equilibrados, e assim tornando-se cada vez mais um exemplo no cenário político.
 
Certamente não é fácil, mas Deus não nos prometeu vida fácil e sim que estaria conosco, até a consumação do século.



2 de dez. de 2014

A teologia holandesa é arrojada, afirma N. T. (Tom) Wright

A teologia holandesa é arrojada[i] , afirma N. T. (Tom) Wright



[i] Audaz, atrevida, arrojada, minuciosa, meticulosa, resoluta, corajosa, firme todas estas seriam traduções possíveis da palavra “doortastend” que o autor usa em holandês. Depende de qual palavra inglesa Wright usou originalmente para saber qual seria a tradução mais correta. Usei a que me parece mais exata quanto a palavra holandesa, que é de difícil tradução. 

O teólogo inglês N.T. (Tom) Wright vem à Holanda, no final de outubro. Ele é Anglicano, mas mostra ter uma afinidade surpreendente com a tradição reformada holandesa. Como prévia da conferência em Kampen, no dia 31 de outubro: uma conversa com Wright sobre suas irritações dogmáticas, sua visão a respeito da teologia bíblica e sua paixão por alcançar “o crente comum”.

Original por Tjerk de Reus e Hans Burger
Tradução: Tijs van den Brink
Revisão: Daniel de Lima Vieira


Por quatro dias o estudioso do Novo Testamento Tom Wright (1948) estará na Holanda no final desse mês. Primeiro será o palestrante principal de um congresso na Universidade de Groningen, depois visitara a Universidade Teológica de Kampen. Wright está ansioso, diz, pois ele entende que a teologia holandesa o “formou”, e a considera “extraordinária”. Essa parece uma afirmação educada, patente dos nossos vizinhos britânicos, mas em Wright parece um sentimento honesto de dívida (n. t. Para com a teologia holandesa). E realmente há temas comuns, que facilmente conectam os reformados e os neocalvinistas à teologia de Wright, na qual a ênfase está no pacto e na história da redenção, no significado concreto da cruz e da ressurreição, e na chegada real (n. t. efetiva) do novo mundo de Deus.

Wright é professor na St. Mary”s College, a faculdade teológica da Universidade de St. Andrews. Ele aceitou esse posto depois de sua despedida como bispo de Durham. Essa decisão teve tudo a ver com o seu quarto grande livro acadêmico da série Christian Origins and the Question of God (Origens Cristãs e a Questão de Deus). O livro se chama Paul and the Faithfulness of God (Paulo e a Fidelidade de Deus), e contém nada menos que 1650 páginas, e parece coroar o fascínio que Wright teve por toda a vida por Paulo. "Tive muito prazer trabalhando com esse livro," conta, "mas me custou mais tempo do que eu esperava. Comecei-o em um ano sabático em 2009. Em janeiro de 2010 voltei a Durham, onde era bispo. Logo ficou claro que eu não poderia terminar o livro se continuasse em Durham. Foi uma decisão difícil, mas escolhi aceitar o convite de St. Andrews para lecionar. Quando estava aqui ainda tinha que terminar diversos outros livros, como a série A Bíblia para Todos (n. t. Uma serie de comentários bíblicos). Também escrevi, a pedido da minha editora o livro Simplesmente Jesus (Simply Jesus: A new vision of who he was, what he did and why he matters) e em minha mente cresceu o conceito para Como Deus se tornou Rei (How God became King: The Forgotten Story of the Gospels). Enquanto isso meu editor ainda me pediu se podia desenvolver um livro a respeito dos Salmos a partir de uma palestra que tinha dado. Ele disse, pegue a palestra como estrutura básica e cada vez que abordar um Salmo você amplia um pouco – e eis que há um livro. Então acabei por fazê-lo em The Case for the Psalms (O Caso dos Salmos ou Em favor dos Salmos). Assim, fiquei bastante aliviado quando ano passado o grande livro a respeito de Paulo foi publicado."

Público Amplo

Trabalhar em todos esses projetos diferentes parece jogar diversas partidas de xadrez ao mesmo tempo. O público alvo de Wright também varia bastante. Mas isso o relaxa, diz, com um senso de ironia: “Esses livros científicos muito amplos me custam muitas gotas de suor. Entre estes escrevo os livros curtos e populares, e gosto muito disso. Eu gosto muito de escrever e esses livros para um público mais amplo não me custam tempo demais, muitas vezes é uma série de palestras, e entre estas apenas adiciono ordem e estrutura.
Obviamente relaxar não é a única motivação de Wright. Ele busca conscientemente o contato com o público amplo nos seus livros populares. Essa é uma característica marcante das ocupações de Wright, pois são poucos os seus colegas que conseguiriam fazer o mesmo. “É verdade, e na verdade isso é uma vergonha,” diz Wright. “Na minha carreira sempre andei nesses dois caminhos. Eu trabalhava na esfera acadêmica, mas também estava ativo como pastor, bispo e pregador. Isso se tornou incomum nas esferas cientificas atuais. O estudo do Novo Testamento tornou-se altamente especializado, e assim atrai pessoas que gostam de se ater a detalhes. Mas você deve ousar dar o passo para o público amplo que não quer saber apenas dos detalhes, mas são mais interessados no quadro maior, mais amplo. E é evidente que se deve fazer isso sem termos complicados. Quanto a isso, minha família, enquanto eu crescia, me ensinou uma lição útil. As crianças me faziam perguntas, e quando eu trazia termos carregados, diziam: “Papai, fale normal!” A partir dessa lição de humildade vieram os meus livros Simplesmente Jesus e Simplesmente Cristão. E devo dizer que escrever esse tipo de livros me dá muito prazer.”

Herman Dooyeweerd

Wright enfatiza que frequentemente suas ideias teológicas são renovadoras, ou pelo menos surpreendentes. Mas ele também tem as suas fontes, por exemplo os grandes pensadores aos quais se sente em dívida. Em uma entrevista para a revista holandesa Wapenveld, Wright cita o nome do filósofo reformado Herman Dooyeweerd (1894-1977), que concebeu uma cosmovisão filosófica ampla – a Wijsbegeerte der Wetsidee (N. T. Filosofia da Ideia Cosmonômica) -- na qual ele aborda o todo da realidade, da escola e hospital à economia e ao sacramento. Wright ficou impressionado com a abordagem Dooyeweerdiana. “Herman Dooyeweerd foi importante para mim,” conta, “apesar de não ter feito um estudo rigoroso de sua obra. Suas ideias me alcançaram através de um bom amigo, Brian Walsh , que foi muito influenciado por Dooyeweerd. No começo da década de 90 demos uma série de palestras juntos em Oxford, na qual deveríamos abordar uma serie de tópicos, de Novo Testamento a Ética, de forma coerente e uniforme. Eu estava na fase preparatória dos volumosos livros acadêmicos a respeito do Novo Testamento, dos quais The New Testament and the People of God (1992) (n.t. O Novo Testamento e o Povo de Deus) seria o primeiro. Não há dúvida de que devo às conversas com Brian Walsh a percepção de que o Reino abrangente de Deus se conecta com a esperança messiânica do Antigo Testamento, e evidentemente com a maneira como tudo isso foi abordado em Jesus."

Kuyper

Brian Walsh desafiou Wright a pensar diferente do que este estava acostumado. “Não no sentido de “dai a Deus o que é de Deus e ao imperador o que pertence ao imperador” – que seriam compartimentos separados – mas deliberadamente abordar uma profunda conexão entre igreja e mundo. Dooyeweerd queria integrar todas os aspectos da vida sob o ponto de vista da vitória de Cristo. Ele estava convencido, assim como C.S. Lewis, que cada centímetro quadrado e cada segundo é reivindicado por Deus – e também por Satanás. Essa visão não me era totalmente estranha, estava presente de forma embrionária, mas eu nunca tinha pensado a respeito nessa profundidade.  Agora eu tinha que fazê-lo por causa do fascínio do meu amigo por Dooyeweerd. E devo dizer que comecei admirar a consciência intelectual dos pensadores cristãos holandeses – entre os quais evidentemente também devo citar Kuyper aqui! Era muito diferente do que estava acostumado da forma mimada e doce dos ingleses pensarem. Não que não conhecesse pensadores sérios e minuciosos na Inglaterra, mas a meticulosidade dos pensadores holandeses causou uma mudança em mim.”

Historiografia e Teologia

Parece que o senhor conscientemente escolhe ser historiador, por exemplo com o seu modelo de cosmovisão (worldview-model). O senhor não se profila como alguém que escreve Teologia Bíblica.
A questão de Deus é uma questão teológica, não há escapatória, nem se  mantivermos uma perspectiva historiográfica. Para mim essa separação não existe de forma alguma. Alguns colegas me acusam de teologia bíblica, que entendem ser um empreendimento tolo e do século 19. O que eu proponho é: entremos no mundo do Judaísmo do Segundo Templo e então tentemos entender o que importava para a primeira geração de cristãos. Quando se faz isso, muitas coisas se encaixam. Nós mantemos tantos anacronismos no Cristianismo atual, desde como explicamos as parábolas a como entendemos Paulo. Mas tudo entra na perspectiva correta quando se começa a ver como o Judaísmo do Segundo Templo funciona. Você realmente tem aqueles momentos de: “Agora sim!” É a partir dessa perspectiva que tento pensar consequentemente Paulo no contexto da época. Assim sua pesquisa resulta em respostas históricas e teológicas. O que se ouve dos cristãos do primeiro século trata de “encarnação”, sobre a questão de quem Deus é, qual é o significado de Jesus no quadro geral das expectativas messiânicas. Enquanto pesquisador sempre tentei viver com essa tensão (n.t. No sentido positivo, emoção, empolgação, ansiedade, anseio), pesquisando a história e a teologia em conjunto. Minhas publicações podem assim serem classificadas como historiográficas, teológicas, ou até mesmo missiológicas.”

Construto teológico

Geralmente se mantêm as disciplinas separadas. Qual o argumento mais importante para se relacionar mais a teologia bíblica com a historiografia?
Os textos do Novo Testamento que na história de Jesus Cristo se trata da presença direta de Deus. Isso se dá na história real, essa é a convicção deles. E é exatamente essa afirmação que por muito tempo foi considerada anátema por estudiosos do Novo Testametno. Considerava-se que era mais aceitável presumir que os evangelistas não tinham a pretensão de descreverem a história de forma realista. Para eles tratar-se-ia de um belo construto teológico que tinha importância para eles. Mas quando lemos Josefo, ou outros escritores Greco-Romanos, percebemos que eles escrevem de forma consciente sobre as coisas que aconteciam na época. E é dessa forma que se leem os evangelhos de forma natural. Isso não é inocente, mas baseia-se na forma séria dos judeus da época lerem.”

Aconteceu de verdade

Em How God Became King, 2012 (Como Deus se tornou Rei), Wright argumenta que o tipo de histórias que os evangelhos contam, tratam de Deus o Criador e seu mundo. Nesse livro, ele afirma que os evangelhos tratam da realidade concreta, na qual se realiza uma ação divina. Wright: “Historicamente não faz sentido dizer que os evangelistas queriam enfatizar uma espiritualidade platônica, um significado religioso que estaria fora da realidade concreta! É exatamente isso que eles não têm em vista. O que Marcos, Lucas e os outros afirmam poderia ser ficção, no sentido de não estar de acordo com os fatos – mas essa é uma discussão completamente diferente. Mas eles estão convencidos de que a grande história das escrituras alcançou o seu clímax histórico na vinda do Messias Jesus. O fator esquecido, que poderia ter levado a interpretação ao caminho correto, é a expectativa dos profetas do período do Segundo Templo de que o Deus de Israel realmente retornaria. Deus prometeu que voltaria – mas ninguém sabe quando! Também não está claro como será ou o que acontecerá. O retorno de Deus poderia ser assustador, ou talvez empolgante. Mas esse é o assunto, que na percepção dos evangelistas Jesus assumiu o reinado de Deus. Eles contam com a convicção de que foi assim que aconteceu, assim Deus tornou-se rei.”

Irritações

 O senhor se mostra irritado quanto a alguns pontos de vista teológicos. Quais as suas principais irritações dogmáticas?
A forma como as pessoas reivindicam uma cristologia ortodoxa muitas vezes me causa certa resistência. Você deve pensar X ou Y a respeito de Jesus, e se não o fizer você está fora do barco. Geralmente é a reinvindicação de que Jesus é Deus. As pessoas presumem que o Jesus humano poderia sem problemas lembrar-se de como era quando Ele ainda estava com o Pai, antes de encarnar. Eu acho essa abordagem problemática, porque forca padrões racionalistas à explicação das Escrituras. Parece que as pessoas querem subscrever uma fé trinitária ortodoxa a qualquer custo, sem sondarem a profundidade da mesma. Dá para ouvi-las dizerem: “com certeza, Jesus era Deus! Eu subscrevo a isso, portanto estou tranquilo”. Mas a verdade é que se trata do que esse Deus encarnado faz! E o que fará. Se você o limita a “Ele morreu pelos nossos pecados e vai me levar ao céu”, você está perdendo o ponto central dos 4 evangelhos. De acordo com os evangelhos, Jesus se torna o encarregado. O próprio Deus está à frente de tudo em Cristo, e isso significa que algo acontecerá."

Combinação    

"A maioria dos cristãos nem para para pensar nisso. Talvez na Holanda seja diferente, assim como com seus “parentes” calvinistas em Grand Rapids! Quando eu dei uma palestra no Calvin College sobre How God Became King, James K. A. Smith me disse: “Você diz que nós nos esquecemos disso mas nas nossas aulas o reino de Deus e o seu significado concreto são sempre um ponto central!” Na verdade, suspeito que a teologia holandesa seja uma exceção. Dei incontáveis palestras e preleções em outras partes da Europa e dos EUA. Especialmente nos EUA as pessoas dizem: “Nunca ouvimos isso antes!” E quando digo que presumo que muitos pastores se limitam à mensagem de que Jesus se tornou Deus somente para nos perdoar e levar ao céu – ouço pessoas dizendo: “é isso que sempre ouvimos!” Parece que há pouca percepção da atualidade do Reino de Deus, que, de acordo com Jesus, vem “na terra como no céu”. Quando você expande para isso as pessoas rapidamente passam a achar que você está trocando o evangelho da redenção e perdão por um evangelho de melhoras sociais. Mas é claro que essa é uma conclusão precoce.  Nos evangelhos encontramos a combinação incomum de Reino e Cruz.  Os dois, na verdade, andam juntos apesar de a teologia ocidental ter muita dificuldade em mantê-los juntos. As pessoas parecem entender que tudo era um sucesso na missão de Jesus, até que algo deu errado e Ele acabou na cruz. Com isso parece que um plano B entrou em ação quando sua missão original foi por água abaixo – e o que sobra é apenas uma morte isolada que nos salva dos nossos pecados."

Solto da cruz

A questão central então é: “como os dois se combinam? Como conectar a sua atuação e sua pregação, suas curas, seu envolvimento critico nas relações sociais – e por outro lado sua terrível morte e gloriosa ressurreição?” Simplesmente não se levanta essa questão o bastante. E como consequência disso se deslizou para uma teologia da cruz, de tons pietistas, na qual tudo é a respeito da morte salvífica de Jesus, a salvação da minha alma. Do outro lado do espectro deslizaram para uma forma de horizontalismo social no qual o reino se soltou da cruz. Mas no grande capítulo da ressurreição – 1 Coríntios 15 – Paulo escreve que a morte de Jesus resulta em seu reinado concreto, “até que tenha colocado todos os inimigos debaixo de seus pés”. Nesse sentido o Reino de Deus é uma realidade presente e atual. O Reino evidentemente ainda não é o reino de paz na qual resultará quando Deus for “tudo em todos” e a morte for definitivamente derrotada. Mas a partir da ressurreição de Cristo o mundo mudou definitivamente e Deus ativamente dá forma ao Seu novo mundo.”

Quebra cabeça

As irritações dogmáticas de Wright se voltam principalmente ao abismo entre algumas construções dogmáticas e o testemunho dos escritores do Novo Testamento. Muitos evangélicos na Inglaterra e nos EUA se satisfazem com os lugares-comuns dogmáticos, observa Wright. “Enquanto você disser que Jesus é Deus – você está tranquilo. Se subscrever: Jesus morreu no meu lugar – daí está ótimo! É certo que tais afirmações contêm elementos verdadeiros. Mas é como montar um quebra-cabeça com as peças nos lugares errados. Você pode até usar todas as peças, mas como não se encaixam o quadro geral fica deformado. Se olhar bem, a imagem não convence. Esse também é o problema das grandes confissões (n.t. De fé): O reino (quase) não é citado. No Credo de Nicéia você só tem alguma coisa a respeito do Reino lá no final. Então as pessoas pensam: “Ah, então isso ainda virá!” Em How God became King sou crítico quanto a essa omissão e sua estrutura teológica, mas não advogo a favor da abolição das grandes confissões. O que é importante é que as compreendamos de uma maneira nova: a partir do testemunho dos evangelistas e dos escritores do Novo Testamento.

Fonte: http://tukampen.afasonline.com/nieuwsbericht/nederlandse-theologie-doortastend-stelt-n-t-tom-wright   


5 de fev. de 2014

Utopia

‘Sabe,’ digo, enquanto pego a mão dele e a coloco sobre a minha coxa, ‘não seria legal testar as suas idéias em uma experiência ao vivo, e filmar isso?’ Como cheguei a uma idéia dessas eu não sei, mas eu mesma sou totalmente levada por ela.
‘As pessoas podem se inscrever para participarem,’digo. ‘É voluntário, claro, com certeza. Então você escolhe um grupo bem diversificado de pessoas e faz com que eles estudem, primeiro, todas as formas de sociedade que já foram desenvolvidos. Os gregos antigos, filósofos, talvez romances. Tudo que eles tiverem vontade. Pode deixar a sua mão aí, se quiser. Por mim, você também lhes mostraria os quadros e suas instalações. Depois de um tempo, um ano digamos, eles precisam construir uma vila em um campo.’
Eu tomo fôlego e digo: ‘E nós também participamos’.
Eu digo tudo isso para rirmos. Mas será  que é tão ridículo? Sempre se pode aprender algo disso. E pelo menos os dias não serão mais todos iguais.
Infelizmente não impressionei. Erik acha que isso parece um programa ruim nas TV comercial. Ele leva muito a sério e demole a idéia até o chão.
De repente sei porque tenho dor de cabeça por todo esse tempo.
Resumindo, algo tão prático não é coisa para o Erik. Um historiador não precisa de mais prática para saber o que funciona e o que não funciona. E um experimento social é, por definição, perigoso. É só olhar para a história
. (trecho do livro De Woongroep [A comunidade] da autora holandesa Franca Treur, pg. 37-38, tradução minha)

Encontrando meu caminho pela Holanda e analisando principalmente o contexto religioso desse país que depois de tanto tempo voltou a ser meu lar, me deparei com alguns autores que por aqui causaram bastante reboliço com seus livros com profundos questionamentos e críticas à religião cristã e principalmente a tradição reformada, que é (foi) muito forte por aqui. Foi assim que conheci a jovem autora Franca Treur cujo romance de estréia, Confetti op de Dorsvloer, ficou bastante conhecido por aqui (e foi traduzido para o português, leia a respeito aqui, aqui, aqui e aqui). 

Assim, quando saiu seu segundo livro no começo desse ano, não demorei para comprá-lo e começar a ler. Mas o que realmente me chamou a atenção foi uma entrevista da autora em que ela  falava do trecho supracitado e depois apontou para um programa que estrearia em poucos dias: Utopia.

Para surpresa da autora (e minha) alguém não achou, como o Erik, que era uma idéia ridícula quando a teve e fez um reality show, chamado Utopia, em que os participantes constroem a sua utopia. Há um milhão de razões pelas quais não me interesso muito por reality shows, e não costumo gastar meu tempo assistindo-os, mas resolvi assistir um pouco desse para escrever esse texto.

A idéia do programa é que pegaram um grupo de pessoas que devem construir a sociedade ideal deles em um ano. No entanto, não aderiram a primeira parte que a protagonista da história de Treur propôs. A maioria conhece muito pouco de filosofia ou política e não leram ou estudaram para participarem. No primeiro episódio um dos rapazes mais esclarecidos quanto a temas filosóficos (e que pelo jeito pensou que os outros também o seriam) disse que presumia que todos tinham lido Utopia, de Thomas More, livro cujo título serve de inspiração para o programa, supostamente porque o livro fará 500 anos (foi escrito em 1516, ou seja, ainda por cima erraram a conta... Mas o título procede do livro assim como o Big Brother foi tirado do romance 1984 de George Orwell apesar de toda semelhança dos programas com os livros parar aí). Para surpresa do rapaz nenhum dos outros tinham lido o livro...

De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia (em português: Sobre o melhor estado de uma república e sobre a nova ilha Utopia) ou simplesmente Utopia é um livro de 1516 escrito por Sir Thomas More (Londres, 7 de Fevereiro de 1478 — Londres, 6 de Julho de 1535) que foi um  estadista, diplomata, escritor, advogado e homem de leis, ocupou vários cargos públicos, e em especial, de 1529 a 1532, o cargo de "Lord Chancellor" (Chanceler do Reino - o primeiro leigo em vários séculos) de Henrique VIII da Inglaterra. É geralmente considerado como um dos grandes humanistas do Renascimento. Foi canonizado em 1935. Escrito em latim,Utopia foi sua principal obra literária e tornou-se sinônimo de projeto irrealizável; fantasia; delírio; quimera; lugar que não existe, dando uso mais amplo do então neologismo "utopia".

Ou seja, o nome é apenas mais uma desculpa para os holandeses inventarem outro reality show ruim (para quem não sabia, foram os holandeses que inventaram o Big Brother e dezenas de outros reality shows que se espalharam por todo o mundo...). Mas a idéia serve para reflexão, já que é mais uma tentativa desesperada de afirmação da bondade humana e a solução de todos (ou a maioria) os problemas se retirados os “fatores malignos da sociedade”. E assim, quando se ouve as razões pelas quais as pessoas vieram ao programa, alguns dizem coisas vagas como que a ganância é um problema na sociedade, ou que querem cuidar melhor do meio ambiente, mas também há quem diga que quer se tornar adulto ou que quer que tudo seja uma grande festa.

Alguns fatores logo chamaram a minha atenção. Por exemplo, não há famílias na Utopia. Todos os que participam estão sozinhos. Alguns deixando conjuges e filhos, outros namorados, pais, irmãos, etc. Pelo jeito não cabem famílias em utopias e são buscas solitárias por felicidade. (A respeito disso, veja o filme Into the Wild [Na Natureza Selvagem]) 

Além disso, apesar de terem afirmado que não teria hierarquias de forma alguma, rapidamente líderes e seguidores surgem e alguns claramente tomam a frente e começa a formação de panelinhas que dentro de alguns dias já estão falando em votar algumas pessoas para fora da utopia (como todo reality show de televisão precisa ter a eliminação de pessoas do programas e portanto a expulsão de alguém da Utopia, para fins de competição e emoção no programa, o que já levanta muitos questionamentos quanto a essa utopia).   

“Why does it rain down on Utopia? Why does it have to kill the ideal of who we are?” (Porque chove na Utopia? Porque precisa matar o ideal de quem nós somos?) O refrão da música Utopia da banda holandesa Within Temptation (veja o video mais em baixo) mostra que há um problema no pensamento “utopiano”: na prática não funciona.     

Ou seja, o resultado do reality show é muito previsível, e não tarda a aparecer na série. Já nos primeiros episódios há uma quantidade impressionante de brigas e discordâncias, e fica muito claro que é  impossível se construir uma sociedade perfeita, simplesmente porque é feita de seres humanos, e o problema não são fatores sociais mas sim o coração humano (Mc. 7.14-23), profundamente afetado pela queda no pecado (Gen. 3). E, além disso, como disse o Erik no trecho que citei de Treur, a história demonstra que as tentativas de se construir utopias não acabam bem. Principalmente após as duas grandes guerras que devastaram a Europa e muitas outras partes do mundo, a ilusão otimista que cresceu após a Renascença e que teve o seu ápice no século XIX, de que o homem estava se desenvolvendo teccnologicamente para uma sociedade ideal cairam por terra diante da realidade da devastação causada por esses ideais.

Mesmo que a  televisão jamais os deixaria passando fome, por exemplo, já que isso afetaria muito negativamente o canal e os produtores, e  já que certamente interfeririam se a coisa saísse do controle (imagine se aprovassem a pena de morte, por exemplo. Quanto a isso veja os filmes: Animal Farm [a Fazenda dos Animais] e Lord of the Flies [Senhor das Moscas]), o programa é armado de tal forma que agrade os espectadores, e a verdade é que nem esses gostariam que tudo desse certo. Até onde sei, o povo assiste a reality shows para ver “o circo pegar fogo e o bombeiro entrar de greve”... (Para isso é só ver as chamadas das “noticias” dos Big Brothers da vida). Não haverá uma utopia televisiva assim como não haverá utopia na vida real. 

Não é possível construir uma sociedade ideal a partir de ideais de direita ou esquerda, tecnológicos, racionalistas ou românticos (movimento filosófico, não romance no sentido amoroso), teístas ou ateístas. Não enquanto essa sociedade for formada por pessoas no estado atual de pecado. Jamais será perfeito.
É por isso que sempre me assusta quando crentes aderem muito firmemente a um discurso político, seja de esquerda, seja de direita, e começam a crer que essa é a solução do Brasil, da Holanda, do mundo...

A Bíblia desmascara as ideologias. É só lembrar da história da construção da torre de Babel. Mas o que a Bíblia propõe no lugar dessa? Um Deus que é desde o princípio até a consumação, cuja Palavra garante o futuro, a esperança e o sentido. E essa esperança não é baseada em uma utopia mas nesse Deus que está aí e que falou, como diria Francis Schaeffer.   

O que fazer então, enquanto cristão? Nada? Não se envolver socialmente? É evidente que não.  Creio que o nosso papel, enquanto cristãos, peregrinando nessa era atual, é buscar a paz da cidade (Jr. 29.5-7), sinalizando o Reino de Deus, que já é, mas ainda não. Buscar construir a melhor, e mais justa, sociedade possível, mas sem se perder em pensamentos “utopianos” de que será perfeito, mas construir jardins de Shalom em meio a Cidade dos Homens, sinalizando a Cidade de Deus, a Nova Jerusalém que descerá do céu, e então sim tudo será perfeito. 

Video da música Utopia da banda Within Temptation:



Letra da música:

Utopia
O desejo ardente de viver e vagar livre
Brilha na escuridão e cresce dentro de mim
Você está segurando minha mão, mas você não entende
Então para onde estou indo, você não estará no final

Estou sonhando em cores de ter a chance
Sonhando de tentar o romance perfeito
Na procura pela porta para abrir sua mente
Na procura pela cura da humanidade

Ajude-nos, estamos nos afogando tão perto, por dentro

Por que chove, chove, chove em utopia?
Por que tem que se matar o ideal de quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Como as luzes se apagarão nos contando quem somos?

Estou procurando por respostas não dadas de graça
Está se ferindo por dentro, existe vida dentro de mim?
Você está segurando minha mão, mas você não entende
Então você está pegando a estrada sozinho(a) no final

Estou sonhando em cores, sem limites
Estou sonhando o sonho e cantarei para compartilhar
Na procura pela porta para abrir sua mente
Na procura pela cura da humanidade

Ajude-nos, estamos nos afogando tão perto, por dentro

Por que chove, chove, chove em utopia?
Por que tem que se matar o ideal de quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Como as luzes se apagarão nos contando quem somos?

Por que chove, chove, chove em utopia?
Por que tem que se matar o ideal de quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Como as luzes se apagarão nos contando quem somos?
Por que chove?
(http://letras.mus.br/within-temptation/1556892/traducao.html)

9 de jan. de 2014

Livros antigos e leitura em 2014

Antes do começo de um novo ano sempre, querendo ou não, paramos para pensar a respeito do(s) ano(s) passado(s), e pensamos/planejamos a respeito do ano que se começa. É claro que sabemos (ou deveríamos saber...) que não temos tudo em mãos, e que, certamente ao se falar de planos para um ano inteiro se deva incluir a famosa frase de Tiago: "Se o Senhor quiser..." (Tg. 4.15). Mas creio que todos param para pensar a respeito do que querem fazer, ver, ouvir, aprender e alcançar no ano que vem.


Um desses pontos a respeito dos quais eu sempre paro para pensar quando um ano está para começar é como quero melhorar nesse ano quanto a leitura (muitos param para pensar nesse assunto, veja, por exemplo, diversas listas de 10 melhores livros lidos em 2013 no blog do amigo Allen Porto), tanto bíblica quanto de outros livros, e ler de forma mais estruturada e frequente. E nesse esforço nos dias antes da virada, procurando esquemas e sugestões para essa melhora, acabei encontrando diversas sugestões para ler mais dos Pais da Igreja, os antiquíssimos escritos dos primeiros séculos do Cristianismo.

Acabei lendo algumas coisas a respeito e resolvi tentar, começando com o famoso livro de Santo Atanásio (296-373): A encarnação do Verbo; primeiro porque há tempos estava na minha lista de livro que precisava ler, e já tinha postergado demais a leitura do mesmo, e segundo por causa da introdução escrita por C.S. Lewis na versão inglesa.
Para minha grata surpresa, Lewis também fala exatamente a respeito da importância de nos debruçarmos sobre os livros antigos. Ele diz:

"É uma boa regra que, quando se termina um livro novo (contemporâneo/recente), não se permitir ler outro livro novo antes que se tenha lido um antigo(clássico).Se isso é demais para você, deveria ler pelo menos um livro antigo a cada três novos."

Uma das razões porque um grande autor como C.S. Lewis sugere essa idéia não é por alguma ilusão quanto ao passado ou saudosismo do tipo "no passado tudo era melhor" (muito comum no futebol, p.e., mas que existe também em todas as outras áreas), mas sim porque os erros e as convicções eram diferentes. Questões que para nós parecem claras e decididas ainda estavam em pauta e precisavam ser ferozmente defendidas. Já questões que na relativização da nossa era se perderam, ou hoje precisam ser defendidas e pregadas, nos clássicos eram verdades aceitas sem muita dificuldade.
Por isso Lewis diz:

"Eu não desejo que o leitor comum não leia livros modernos. Mas se ele deve ler apenas o novo ou apenas o antigo, eu lhe indicaria os livros antigos."
   
Resolvi que essa será a estratégia que adotarei nas minhas leituras nesse ano, tentarei ler um clássico para cada livro atual. Agora falta decidir o que considerarei um clássico, mas essa é outra discussão.
Portanto, se você ainda não parou para pensar a respeito de suas leituras nesse ano, fica aí o desafio de visitar os clássicos comigo e vermos a riqueza do trabalho de tantos que nos antecederam.  





P.S. o livro com a introdução do Lewis pode ser encontrada aqui: http://www.ccel.org/ccel/athanasius/incarnation

19 de ago. de 2013

O pregador da família real holandesa e a verdadeira esperança

O Credo Apostólico diz:
Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do Céu e da terra.
Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao Céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo; na Santa Igreja Universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém. 
É nisso que, supostamente, toda a Igreja e todos os cristãos crêem. Por séculos esse tem sido um filtro através do qual se vê o que é Cristianismo e o que é outra coisa, completamente diferente. No entanto, não é nada incomum, nos nossos dias, vermos pregadores negando esses pontos básicos da tradição, e não é estranho vermos teólogos das mais variadas denominações e tradições confessando abertamente as suas dificuldades com pontos dos Credos e Confissões da Igreja. Isso não é mais nenhuma novidade.  

Recentemente o princípe Friso, da família real holandesa, irmão do rei, faleceu devido a complicações de um acidente de esqui, ocorrido ainda no começo de 2012, na Austria. Ele passou mais de um ano em coma até que finalmente, no dia 12/08, ele veio a falecer. Toda a família real holandesa é de tradição protestante. Portanto, ele foi enterrado no cemitério da Igreja Reformada Holandesa, e o enterro foi precedido por um culto na Igreja Protestante que foi frequentada por pelo menos 4 gerações da família Oranje-Nassau. Em 1981, no entanto, a ex-rainha Beatrix, com seus marido e filhos, mudaram para Den Haag, e lá começaram a frequentar a Kloosterkerk, cujo pastor era um homem chamado Carel ter Linden (ele foi pastor nessa igreja entre 1983 e 1999), que, como pastor da família casou todos os filhos da Rainha, incluindo o atual rei, Willem Alexander, além de realizar diversos batismos e alguns eventos fúnebres, como o do esposo da ex-rainha, príncipe Claus, e agora o do príncipe Friso.

Uma pequena pesquisa quanto ao pastor ter Linden é que originou esse post, pois o mesmo já era famoso enquanto pregador dos eventos que envolvem a família real, mas se destacou muito mais esse ano ao lançar seu polêmico livro "Wat doe ik hier in GODSNAAM?" (Uma tradução literal seria: O que estou fazendo aqui, em NOME DE DEUS? Mas uma tradução mais próxima do sentido da expressão em holandês seria: Que raios estou fazendo aqui?).

Há muito tempo ele é conhecido por suas polêmicas declarações. Ele já tinha dito que se identificava com o princípe Claus (falecido marido da ex-rainha, não há fontes para falar da espiritualidade dos membros da família real, ou seja, o que importa é a opinião do pastor) que, segundo ele: era alguém que pouco tinha com as instituições eclesiásticas e a religião organizada, um homem religiosa da forma 'pós-moderna', com muitas dúvidas.

Nesse pequeno livro de 164 páginas ele confessa que não crê mais em criação, no céu, na ressurreição de Jesus, na vida após a morte e até mesmo em um Deus pessoal, ou seja, não sobrou muita coisa do Credo Apostólico supracitado (ainda não li o livro, mas como ele mesmo diz isso em diversos outros lugares, creio que seja isso mesmo).

Ele disse, em entrevista, a respeito de seu livro: "Eu me despedi de um certo tipo de Deus. De um Deus que criou o mundo e tudo que nele há, que intervêm na nossa vida, que escondidamente nos guia, que se não for da sua vontade, nada do que  acontece, aconteceria."
Em outra parte disse: "Porque esse mundo existe, porque nós enquanto seres humanos estamos aqui, não posso dizer uma palavra que faça sentido quanto a isso."
Ainda de acordo com ele, a Bíblia  seria um livro maravilhoso, cheio de imperdível sabedoria a respeito da vida, mas de forma alguma literal. Ele diz, por exemplo, que a história da páscoa é um tipo de lenda.

E aqui é que começa a minha dúvida, o que será que esse pastor disse que pudesse ter algum consolo para a família nesse momento tão difícil?

Com alguma pesquisa encontrei alguma coisa. Ele diz: "em um culto em que nos despedimos de alguém querido, nomeio as coisas pelas quais somos gratos a essa pessoa. Nisso a outra pessoa continua vivendo. E se a pessoa da qual nos despedimos confia que verá  a Deus, não tenho a necessidade de negá-lo."

Nesse sentido, o ter Linden é um teólogo liberal clássico, daqueles que negam todas as questões "sobrenaturais" da Bíblia... Para ele a Bíblia tem histórias maravilhosas que tem lições de vida e, para que essas não sejam esquecidas, é necessário que tenhamos pastores e sacerdotes. Deus é o exemplo de amor ao próximo e luta contra a injustiça que nós devemos seguir, e só...
Ele mesmo disse, em outras entrevistas que, depois de sua morte, ele não irá para Deus. Isso porque, para ele, Deus é uma palavra, a qual ele AINDA não soltou... Provavelmente Abraham Kuyper se revira no túmulo sabendo que a reforma que implantou na igreja holandesa ainda não afastou esses tipos dos pulpitos...

O que me enche de tristeza nessa história toda é saber o tipo de ofício funebre a família do princípe teve que ouvir, sem esperança, sem ressurreição, sem estar com Deus, sem Jesus.... Oro a Deus que os console na sua maravilhosa graça e amor, apesar de tipos como esses que ainda ocupam pulpitos de igrejas...

Que diferença do Guilherme de Nassau, do qual a família real é descendente, em cuja tumba está escrito o que essa família precisava ouvir: Expectat Resurectionem. "A espera da ressurreição..."

Se alguém quiser ler mais a respeito e entende holandês:

http://www.eo.nl/beam/leven/item/dominee-in-de-uitverkoop/
http://www.trouw.nl/tr/nl/9650/Prins-Friso-overleden/article/detail/3493364/2013/08/16/Dominee-Carel-ter-Linden-leidt-uitvaartdienst-Friso---wie-is-hij.dhtml
http://www.ad.nl/ad/nl/9664/Ski-ongeluk-prins-Johan-Friso/article/detail/3492846/2013/08/15/Dominee-Ter-Linden-al-30-jaar-steunpilaar-van-de-Oranjes.dhtml
http://nl.wikipedia.org/wiki/Carel_ter_Linden
http://www.eo.nl/geloven/themas/zeker-weten/item/ds-carel-ter-linden-na-mijn-dood-ga-ik-niet-naar-god/
http://www.kerkindenhaag.nl/articles/view/hofpredikant-carel-ter-linden-over-zijn-persoonlijk-geloof-26-feb
http://www.volkskrant.nl/vk/nl/9644/Prins-Johan-Friso-overleden/article/detail/3493546/2013/08/16/Uitvaartdienst-Friso-begonnen.dhtml
http://www.refdag.nl/kerkplein/kerknieuws/hofpredikant_carel_ter_linden_gelooft_niet_langer_in_persoonlijk_god_1_740751
http://marc-las.blogspot.com.br/2013/08/carel-ter-linden-wat-doe-ik-hier-in.html
http://korthof.blogspot.com.br/2013/07/carel-ter-linden-wat-doe-ik-hier-in.html
http://www.vreemdgeluid.nl/2013/algemeen/boek/carel-ter-linden-wat-doe-ik-hier-in-godsnaam/
http://www.vreemdgeluid.nl/2013/vreemdeling/wat-gelooft-carel-ter-linden-nog/
http://rankingthebooks.nl/recensie-carel-ter-linden-wat-doe-ik-hier-in-godsnaam/

14 de ago. de 2013

Ghost, a banda macabra que vai ganhando o mundo....

Uma música de tons macabros começa a tocar. Depois de alguns momentos entram cinco seres mascarados, vestidos de preto que lentamente, em ritmo quase fúnebre, assumem os instrumentos; os “Nameless Ghouls” (espectros ou bestas sem nome). O peso da música aumenta, e entra uma figura icônica, vestido como o sumo pontífice da ICAR. No entanto, as cores imediatamente se destacam. Novamente vê-se o preto, agora com tons de vermelho. Outro ponto que se destaca são as cruzes invertidas, tanto na mitra quanto nas vestes. Ao olhar para o rosto vemos que realmente  essa figura em nada se assemelha ao Vigário da Igreja Católica, apesar de carregar seu nome: Papa Emeritus (II). Ou seja, os incautos certamente se assustam com a aparencia da bizarra banda de Heavy Metal: Ghost



Ghost (ou Ghost B.C. nos Estados Unidos) é uma banda sueca formada em 2008, na cidade de Linkoping. Sua discografia é composta até o momento de uma demo, 3 EP's e dois álbuns de estúdio. Tanto a demo quanto o primeiro EP foram lançados em 2008. O primeiro lançamento possui três faixas: Ritual, Prime Mover e Death Knell, o EP, chamado Elizabeth, contém as mesmas faixas da demo mais a faixa título, que trata da conhecida história da condessa Elizabeth Bathory, que se banhava em sangue de virgens para conservar a juventude.

Em 2010 a banda lança Opus Eponymous , contendo 9 músicas e aclamado pela mídia especializada como um dos melhores lançamentos do ano. O estilo da banda remete a um hard rock/ heavy metal clássico, fortemente calcado no final da década de 70, remetendo a uma mistura de Mercyful Fate, Blue Oyster Cult e Pentagram. As letras da banda são fortemente satanistas, o que contrasta com a sensibilidade pop e os vocais limpos que permeiam todo o disco. Os teclados vintage e a produção muito limpa, sem exageros de compressão, fazem o disco soar inteiramente analógico e também remetem à década de 70 conferindo uma atmosfera que prende o ouvinte. Con Clavi Con Dio, Ritual, Death Knell, Elizabeth e Prime Mover são os destaques do álbum.

Em fevereiro, a banda lançou seu segundo EP, nomeado "Secular Haze", contendo 2 músicas: a própria Secular Haze, e I'm a Marionette, que é um cover da banda sueca ABBA com participação de Dave Grohl, atualmente do Foo Fighters, na bateria. Em 16 de abril de 2013 a banda lançou seu segundo álbum intitulado Infestissumam. Pouco depois do lançamento de Infestissumam, a banda lançou seu terceiro e ultimo EP, nomeado "Year Zero", contendo também 2 musicas: Year Zero, e Orez Raey, que seria a Year Zero do final ao começo.

As apresentações do sexteto trazem uma atmosfera cênica inspirada em rituais satânicos e filmes de terror clássicos, com todos os membros caracterizados como sacerdotes em uma missa negra. O vocalista adentra o palco vestido como um pontíficie e carregando um turíbulo utilizado nas litanias católicas.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ghost_(banda))

Aqui tem um exemplo de uma de sua letras macabras traduzidas:

Relógio Ostensório (Monstrance Clock)

Ao som do relógio ostensório
Aqui o rebanho agregado é purificado
Hoje velas pretas queimam a noite inteira
Ao som do relógio ostensório
Aqui o rebanho agregado é purificado
Velas pretas queimam no meu altar
À medida que a paróquia emite fumaça
E te guia para a revelação
Ao som assombrado do relógio ostensório

Cantando:
Venham juntos, juntos como um só
Venham juntos pelo filho de lúcifer

Ao som do fim do dia
Hipnotizado o agregado oscila
Velas pretas queimam no meu altar

Hipnotizantes senhores do reino
Pentagrama paralisante
E o misterioso som do relógio ostensório

Cantando
Venham juntos, juntos como um só
Venham juntos pelo filho de lúcifer (x8)

Mas porque gastaria esse espaço todo no blog para falar de uma banda tão macabra?

Porque eles são um dos maiores fenômenos no rock/metal atual. Como já citei antes, a mídia especializada os amou, mas, muito mais importante, desde o lançamento de seus primeiros trabalhos são um verdadeiro fenômeno da cena underground que os adorou. Cresceram tanto que são uma das atrações do Rock in Rio (são a primeira banda sueca a tocar no renomado festival), no mês que vem, e tem shows marcados em diversas cidades brasileiras depois do grande festival. 

Grandes expoentes do Metal como James Hetfield (Metallica) e Phil Anselmo (Pantera) já declararam sua admiração pelo grupo sueco, e Dave Grohl (ex-Nirvana, ex-Queens of the Stone Age e vocalista do Foo Fighters) chegou a tocar bateria com eles.  Ou seja, se você não os conhecesse aqui hoje, em breve os conheceria em outro lugar.

Desde os seus primórdios, o Heavy Metal tem sido conectado com o oculto (muitas vezes pelos de fora). Vemos isso explicitamente em bandas como Black Sabbath e Judas Priest que são dois dos maiores expoentes do estilo em todos os tempos (aliás, o Black Sabbath também estará no Brasil em breve, com boa parte da formação original). Essas bandas, no entanto, o  faziam de forma razoavelmente comportada, e não passava muito do nome da banda e um estilo mais dark e um som mais pesado do que então se conhecia.

Mais  tarde surgem outros fenômenos, como, por exemplo o Iron Maiden  que, por causa de seu mascote Eddie, foi muitas vezes colocado na categoria de satânico. Mais tarde, surgem mais bandas que, essas sim, começam a adotar um suposto satanismo em suas letras, declarações, aparência e som. Podemos lembrar de alguns trabalhos do Slayer, o começo do Black Metal com Venom, e depois o Black Metal noruegues, com bandas como Mayhem e Burzum, e o famoso  caso das igejas queimadas, suicídio e assassinato. Mas o que é que todas essas bandas tem em comum? Todas, em seu tempo, eram considerados o mais extremo que havia em termos de som. Eram bandas agressivas tanto no som como na aparência e nas letras.

O Ghost, ao contrário das bandas anteriores, definitivamente não é Metal Extremo no seu  som, que, além de muito bem elaborado, é leve e muito agradável em muitos momentos. Ou seja, se poucas pessoas pegariam um albúm de Black Metal para ouvir, o som do Ghost é acessível a quase todos. Além de que o vocal limpo (ao contrários dos guturais do Black Metal) não deixa qualquer dúvida quanto ao conteúdo de suas letras blasfemas. Como um crítico o colocou, apesar de que houve muitos outros antes deles que carragassem o oculto, o estilo musical afastava a maioria. O Ghost abriu uma nova categoria.

Aqui, no entanto, devo abrir um grande parêntesis. Eu sou da opinião de que a maior parte do satanismo no metal é pose, e não creio que a maior parte deles faça qualquer coisa considerada satânica fora do palco. Em geral o Satanismo é uma questão muito mais filosófica que religiosa. É fato que o oculto atrai, mesmo que seja atenção negativa (o famoso: fale mal de mim mas fale de mim). E desde os primeiros grandes expoentes esse foi um dos maiores motivos do uso desses elementos (sei que devem haver exceções, mas são raros os casos).  Lendo a respeito do Ghost me parece que mais uma vez esse é o caso. Em entrevista, um dos Ghouls disse que são uma banda teatral, fãs de filmes de terror. Em outra entrevista, um Ghoul diz que o Ghost é um trabalho de criar uma obra de arte com uma estética que reflita valores anti-cristãos, e que por isso adotam o satanismo, de acordo com ele, bíblico. Mas, ao mesmo tempo, ele diz que para ele pessoalmente é zombaria para com a religião por ser um forma simplista de se ver a divindade. Além disso, ainda teriam dito que o  objetivo deles não é inverter a igrjea, mas desenhar um bigode (como se faz com o santinho do político).
Ou seja, a banda quer, de certa forma, ofender, ou, como Nietzsche diria, querem a transvaloração dos valores da sociedade. Como esses valores são, em sua maioria, herança da tradição cristã, o que o Ghost ( e muitas outras bandas do estilo) faz é ofender o Cristianismo em todas as suas expressões de arte.

Ou seja, o objetivo não é que você se converta ao satanismo, mas que o ouvinte reflita a respeito dos seus próprios valores e caminhos, além de ser um grande protesto para aqueles que cresceram em lares supostamente cristãos mas que por toda a vida viram que muitos (seus pais ou membros da igreja) o vivem de forma hipócrita e que isso os afastou da igreja.

É interessante que numa entrevista à Globo a respeito do Rock in Rio, o guitarrista do Slayer. Kerry King, diz a respeito das letras macabras no começo da carreira da banda: “Aquilo era mais quando estávamos tentando nos estabelecer como uma banda sombria. Nossa evolução foi perceber que, na verdade, nosso assunto não era o diabo. Ora, afinal, eu sou ateu! Nossas letras falam de fato é que as pessoas devem pensar por si mesmas, e não simplesmente aceitar tudo em que os outros dizem que se deve acreditar.” O mesmo é provavelmente verdade para o Ghost.

Bom, de qualquer forma, meu objetivo aqui não é defender a banda, nem que quem leia esse texto se torne fã da banda (nem eu sou, apesar de musicalmente me agradarem, as letras passam muito do que seriam os meus limites), mas mostrar que a) essa banda provavelmente vai estourar e se tornar muito famosa; e b) não podemos analisar a banda de forma simplista simplesmente julgá-la como demoniaca, ou algo do tipo. Ou seja, se agora alguém te perguntar a respeito, ou algum desavisado vê-los mês que vem no Rock in Rio, pelo menos você saberá do que se trata.   

Reunião Com Deus (Con Clavi con Dio)

Lucifer
Nós estamos aqui
Para seu louvor
Maligno

Nossa conjuração canta salmos infernais
E se besunta de manchas em (palmas de) mãos sangrentas

Estamos reunidos
Estamos com Deus
Estamos Com o Nosso "Deus Escuro"

Semideus
Nossa tarefa
Por trás da máscara
Os Escolhidos

Oh, chefe rebelde, destruidor da terra
Se eleva do precipício desde o início

Satanás
Somos um
De três
Trindade

Estamos reunidos
Estamos com Deus
Estamos Com Nosso "Deus Escuro"


Leia mais a respeito da banda:

http://oglobo.globo.com/cultura/slayer-ghost-rock-in-rio-ganha-reforcos-do-lado-sombrio-7077613

9 de ago. de 2013

Videos Dooyeweerd - Video 6 - Sobre a sua própria obra

Atenção, se você ainda não assistiu os videos anteriores, veja aqui 


Estou trabalhando para legendar alguns videos do Herman Dooyeweerd em português para que assim mais pessoas possam ouvir esse filósofo holandês falando. Os videos foram encontrados aqui. É uma entrevista do Dooyeweerd quando ele completou 80 anos, ou seja, em 1974, mas não tem maiores descrições sobre o entrevistador.

Nesse trecho o filósofo fala a respeito do futuro da sua obra e os efeitos que teve até aquele momento. Wijsbegeerte der Wetsidee é o nome da filosofia do Dooyeweerd, que em português foi traduzido como filosofia cosmonômica

Lembrando que essas são entrevistas para a televisão, e Dooyeweerd falou em linguagem bem acessível, para a compreensão do povo, tentei manter essa idéia na legenda.

















Se você não sabe quem foi Herman Dooyeweerd, olhe aqui (em inglês):http://www.allofliferedeemed.co.uk/dooyeweerd.htm

Em português:
http://www.freewebs.com/guilhermecarvalho/hermandooyeweerd.htm

PS. De acordo com o site da filosofia reformacional estes videos são para download, eu só criei a legenda para facilitar o acesso àqueles que não falam o holandês.
http://www.aspecten.org/index.php?structure_id=2bbef2e73e380e9560b34af5cccd3b2e