‘Sabe,’ digo,
enquanto pego a mão dele e a coloco sobre a minha coxa, ‘não seria legal testar as
suas idéias em uma experiência ao vivo, e filmar isso?’ Como cheguei a uma
idéia dessas eu não sei, mas eu mesma sou totalmente levada por ela.
‘As pessoas podem se inscrever para participarem,’digo. ‘É voluntário, claro, com certeza. Então você escolhe um grupo bem diversificado de pessoas e faz com que eles estudem, primeiro, todas as formas de sociedade que já foram desenvolvidos. Os gregos antigos, filósofos, talvez romances. Tudo que eles tiverem vontade. Pode deixar a sua mão aí, se quiser. Por mim, você também lhes mostraria os quadros e suas instalações. Depois de um tempo, um ano digamos, eles precisam construir uma vila em um campo.’
Eu tomo fôlego e digo: ‘E nós também participamos’.
Eu digo tudo isso para rirmos. Mas será que é tão ridículo? Sempre se pode aprender algo disso. E pelo menos os dias não serão mais todos iguais.
Infelizmente não impressionei. Erik acha que isso parece um programa ruim nas TV comercial. Ele leva muito a sério e demole a idéia até o chão.
De repente sei porque tenho dor de cabeça por todo esse tempo.
Resumindo, algo tão prático não é coisa para o Erik. Um historiador não precisa de mais prática para saber o que funciona e o que não funciona. E um experimento social é, por definição, perigoso. É só olhar para a história. (trecho do livro De Woongroep [A comunidade] da autora holandesa Franca Treur, pg. 37-38, tradução minha)
‘As pessoas podem se inscrever para participarem,’digo. ‘É voluntário, claro, com certeza. Então você escolhe um grupo bem diversificado de pessoas e faz com que eles estudem, primeiro, todas as formas de sociedade que já foram desenvolvidos. Os gregos antigos, filósofos, talvez romances. Tudo que eles tiverem vontade. Pode deixar a sua mão aí, se quiser. Por mim, você também lhes mostraria os quadros e suas instalações. Depois de um tempo, um ano digamos, eles precisam construir uma vila em um campo.’
Eu tomo fôlego e digo: ‘E nós também participamos’.
Eu digo tudo isso para rirmos. Mas será que é tão ridículo? Sempre se pode aprender algo disso. E pelo menos os dias não serão mais todos iguais.
Infelizmente não impressionei. Erik acha que isso parece um programa ruim nas TV comercial. Ele leva muito a sério e demole a idéia até o chão.
De repente sei porque tenho dor de cabeça por todo esse tempo.
Resumindo, algo tão prático não é coisa para o Erik. Um historiador não precisa de mais prática para saber o que funciona e o que não funciona. E um experimento social é, por definição, perigoso. É só olhar para a história. (trecho do livro De Woongroep [A comunidade] da autora holandesa Franca Treur, pg. 37-38, tradução minha)
Encontrando meu caminho pela Holanda e analisando
principalmente o contexto religioso desse país que depois de tanto tempo voltou
a ser meu lar, me deparei com alguns autores que por aqui causaram bastante
reboliço com seus livros com profundos questionamentos e críticas à religião
cristã e principalmente a tradição reformada, que é (foi) muito forte por aqui.
Foi assim que conheci a jovem autora Franca Treur cujo romance de estréia,
Confetti op de Dorsvloer, ficou bastante conhecido por aqui (e foi traduzido
para o português, leia a respeito aqui, aqui, aqui e aqui).
Assim, quando saiu seu segundo livro no começo desse ano, não demorei para comprá-lo e começar a ler. Mas o que realmente me chamou a atenção foi uma entrevista da autora em que ela falava do trecho supracitado e depois apontou para um programa que estrearia em poucos dias: Utopia.
Para surpresa da autora (e minha) alguém não achou, como o Erik, que era uma idéia ridícula quando a teve e fez um reality show, chamado Utopia, em que os participantes constroem a sua utopia. Há um milhão de razões pelas quais não me interesso muito por reality shows, e não costumo gastar meu tempo assistindo-os, mas resolvi assistir um pouco desse para escrever esse texto.
A idéia do programa é que pegaram um grupo de pessoas que devem construir a sociedade ideal deles em um ano. No entanto, não aderiram a primeira parte que a protagonista da história de Treur propôs. A maioria conhece muito pouco de filosofia ou política e não leram ou estudaram para participarem. No primeiro episódio um dos rapazes mais esclarecidos quanto a temas filosóficos (e que pelo jeito pensou que os outros também o seriam) disse que presumia que todos tinham lido Utopia, de Thomas More, livro cujo título serve de inspiração para o programa, supostamente porque o livro fará 500 anos (foi escrito em 1516, ou seja, ainda por cima erraram a conta... Mas o título procede do livro assim como o Big Brother foi tirado do romance 1984 de George Orwell apesar de toda semelhança dos programas com os livros parar aí). Para surpresa do rapaz nenhum dos outros tinham lido o livro...
Para surpresa da autora (e minha) alguém não achou, como o Erik, que era uma idéia ridícula quando a teve e fez um reality show, chamado Utopia, em que os participantes constroem a sua utopia. Há um milhão de razões pelas quais não me interesso muito por reality shows, e não costumo gastar meu tempo assistindo-os, mas resolvi assistir um pouco desse para escrever esse texto.
A idéia do programa é que pegaram um grupo de pessoas que devem construir a sociedade ideal deles em um ano. No entanto, não aderiram a primeira parte que a protagonista da história de Treur propôs. A maioria conhece muito pouco de filosofia ou política e não leram ou estudaram para participarem. No primeiro episódio um dos rapazes mais esclarecidos quanto a temas filosóficos (e que pelo jeito pensou que os outros também o seriam) disse que presumia que todos tinham lido Utopia, de Thomas More, livro cujo título serve de inspiração para o programa, supostamente porque o livro fará 500 anos (foi escrito em 1516, ou seja, ainda por cima erraram a conta... Mas o título procede do livro assim como o Big Brother foi tirado do romance 1984 de George Orwell apesar de toda semelhança dos programas com os livros parar aí). Para surpresa do rapaz nenhum dos outros tinham lido o livro...
Ou seja, o nome é apenas mais uma desculpa para os holandeses inventarem outro reality show ruim (para quem não sabia, foram os holandeses que inventaram o Big Brother e dezenas de outros reality shows que se espalharam por todo o mundo...). Mas a idéia serve para reflexão, já que é mais uma tentativa desesperada de afirmação da bondade humana e a solução de todos (ou a maioria) os problemas se retirados os “fatores malignos da sociedade”. E assim, quando se ouve as razões pelas quais as pessoas vieram ao programa, alguns dizem coisas vagas como que a ganância é um problema na sociedade, ou que querem cuidar melhor do meio ambiente, mas também há quem diga que quer se tornar adulto ou que quer que tudo seja uma grande festa.
Alguns fatores logo chamaram a minha atenção. Por exemplo, não há famílias na Utopia. Todos os que participam estão sozinhos. Alguns deixando conjuges e filhos, outros namorados, pais, irmãos, etc. Pelo jeito não cabem famílias em utopias e são buscas solitárias por felicidade. (A respeito disso, veja o filme Into the Wild [Na Natureza Selvagem])
Além disso, apesar de terem afirmado que não teria hierarquias de forma alguma, rapidamente líderes e seguidores surgem e alguns claramente tomam a frente e começa a formação de panelinhas que dentro de alguns dias já estão falando em votar algumas pessoas para fora da utopia (como todo reality show de televisão precisa ter a eliminação de pessoas do programas e portanto a expulsão de alguém da Utopia, para fins de competição e emoção no programa, o que já levanta muitos questionamentos quanto a essa utopia).
“Why does
it rain down on Utopia? Why does it have to kill the ideal of who we are?” (Porque
chove na Utopia? Porque precisa matar o ideal de quem nós somos?) O refrão da
música Utopia da banda holandesa Within Temptation (veja o video mais em baixo)
mostra que há um problema no pensamento “utopiano”: na prática não
funciona.
Ou seja, o resultado do reality show é muito previsível, e
não tarda a aparecer na série. Já nos primeiros episódios há uma quantidade
impressionante de brigas e discordâncias, e fica muito claro que é impossível se construir uma sociedade
perfeita, simplesmente porque é feita de seres humanos, e o problema não são
fatores sociais mas sim o coração humano (Mc. 7.14-23), profundamente afetado
pela queda no pecado (Gen. 3). E, além disso, como disse o Erik no trecho que
citei de Treur, a história demonstra que as tentativas de se construir utopias
não acabam bem. Principalmente após as duas grandes guerras que devastaram a
Europa e muitas outras partes do mundo, a ilusão otimista que cresceu após a
Renascença e que teve o seu ápice no século XIX, de que o homem estava se
desenvolvendo teccnologicamente para uma sociedade ideal cairam por terra
diante da realidade da devastação causada por esses ideais.
Mesmo que a televisão
jamais os deixaria passando fome, por exemplo, já que isso afetaria muito
negativamente o canal e os produtores, e
já que certamente interfeririam se a coisa saísse do controle (imagine
se aprovassem a pena de morte, por exemplo. Quanto a isso veja os filmes:
Animal Farm [a Fazenda dos Animais] e Lord of the Flies [Senhor das Moscas]), o
programa é armado de tal forma que agrade os espectadores, e a verdade é que
nem esses gostariam que tudo desse certo. Até onde sei, o povo assiste a
reality shows para ver “o circo pegar fogo e o bombeiro entrar de greve”... (Para
isso é só ver as chamadas das “noticias” dos Big Brothers da vida). Não haverá
uma utopia televisiva assim como não haverá utopia na vida real.
Não é possível construir uma sociedade ideal a partir de
ideais de direita ou esquerda, tecnológicos, racionalistas ou românticos
(movimento filosófico, não romance no sentido amoroso), teístas ou ateístas.
Não enquanto essa sociedade for formada por pessoas no estado atual de pecado.
Jamais será perfeito.
É por isso que sempre me assusta quando crentes aderem muito
firmemente a um discurso político, seja de esquerda, seja de direita, e começam
a crer que essa é a solução do Brasil, da Holanda, do mundo...
A Bíblia desmascara as ideologias. É só lembrar da história
da construção da torre de Babel. Mas o que a Bíblia propõe no lugar dessa? Um
Deus que é desde o princípio até a consumação, cuja Palavra garante o futuro, a
esperança e o sentido. E essa esperança não é baseada em uma utopia mas nesse
Deus que está aí e que falou, como diria Francis Schaeffer.
O que fazer então, enquanto cristão? Nada? Não se envolver
socialmente? É evidente que não. Creio
que o nosso papel, enquanto cristãos, peregrinando nessa era atual, é buscar a
paz da cidade (Jr. 29.5-7), sinalizando o Reino de Deus, que já é, mas ainda
não. Buscar construir a melhor, e mais justa, sociedade possível, mas sem se perder em pensamentos “utopianos” de que
será perfeito, mas construir jardins de Shalom em meio a Cidade dos Homens,
sinalizando a Cidade de Deus, a Nova Jerusalém que descerá do céu, e então sim
tudo será perfeito.
Video da música Utopia da banda Within Temptation:
Letra da música:
Utopia
O desejo ardente de viver e vagar livre
Brilha na escuridão e cresce dentro de mim
Você está segurando minha mão, mas você não entende
Então para onde estou indo, você não estará no final
Estou sonhando em cores de ter a chance
Sonhando de tentar o romance perfeito
Na procura pela porta para abrir sua mente
Na procura pela cura da humanidade
Ajude-nos, estamos nos afogando tão perto, por dentro
Por que chove, chove, chove em utopia?
Por que tem que se matar o ideal de quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Como as luzes se apagarão nos contando quem somos?
Estou procurando por respostas não dadas de graça
Está se ferindo por dentro, existe vida dentro de mim?
Você está segurando minha mão, mas você não entende
Então você está pegando a estrada sozinho(a) no final
Estou sonhando em cores, sem limites
Estou sonhando o sonho e cantarei para compartilhar
Na procura pela porta para abrir sua mente
Na procura pela cura da humanidade
Ajude-nos, estamos nos afogando tão perto, por dentro
Por que chove, chove, chove em utopia?
Por que tem que se matar o ideal de quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Como as luzes se apagarão nos contando quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Por que tem que se matar o ideal de quem somos?
Por que chove, chove, chove em utopia?
Como as luzes se apagarão nos contando quem somos?
Por que chove?
(http://letras.mus.br/within-temptation/1556892/traducao.html)