A teologia
holandesa é arrojada[i]
, afirma N. T. (Tom) Wright
[i] Audaz, atrevida, arrojada, minuciosa, meticulosa,
resoluta, corajosa, firme todas estas seriam traduções possíveis da palavra
“doortastend” que o autor usa em holandês. Depende de qual palavra inglesa
Wright usou originalmente para saber qual seria a tradução mais correta. Usei a
que me parece mais exata quanto a palavra holandesa, que é de difícil
tradução.
O teólogo inglês N.T.
(Tom) Wright vem à Holanda, no final de outubro. Ele é Anglicano, mas mostra
ter uma afinidade surpreendente com a tradição reformada holandesa. Como prévia
da conferência em Kampen, no dia 31 de outubro: uma conversa com Wright sobre
suas irritações dogmáticas, sua visão a respeito da teologia bíblica e sua
paixão por alcançar “o crente comum”.
Original por Tjerk de
Reus e Hans Burger
Tradução: Tijs van
den Brink
Revisão: Daniel de
Lima Vieira
Por quatro dias o estudioso do Novo Testamento Tom Wright (1948) estará na Holanda no final desse mês. Primeiro será o palestrante principal de um congresso na Universidade de Groningen, depois visitara a Universidade Teológica de Kampen. Wright está ansioso, diz, pois ele entende que a teologia holandesa o “formou”, e a considera “extraordinária”. Essa parece uma afirmação educada, patente dos nossos vizinhos britânicos, mas em Wright parece um sentimento honesto de dívida (n. t. Para com a teologia holandesa). E realmente há temas comuns, que facilmente conectam os reformados e os neocalvinistas à teologia de Wright, na qual a ênfase está no pacto e na história da redenção, no significado concreto da cruz e da ressurreição, e na chegada real (n. t. efetiva) do novo mundo de Deus.
Wright é professor na St. Mary”s College, a faculdade
teológica da Universidade de St. Andrews. Ele aceitou esse posto depois de sua
despedida como bispo de Durham. Essa decisão teve tudo a ver com o seu quarto
grande livro acadêmico da série Christian Origins and the Question of God
(Origens Cristãs e a Questão de Deus). O livro se chama Paul and the
Faithfulness of God (Paulo e a Fidelidade de Deus), e contém nada menos que
1650 páginas, e parece coroar o fascínio que Wright teve por toda a vida por
Paulo. "Tive muito prazer trabalhando com esse livro," conta, "mas me custou mais
tempo do que eu esperava. Comecei-o em um ano sabático em 2009. Em janeiro de
2010 voltei a Durham, onde era bispo. Logo ficou claro que eu não poderia
terminar o livro se continuasse em Durham. Foi uma decisão difícil, mas escolhi
aceitar o convite de St. Andrews para lecionar. Quando estava aqui ainda tinha
que terminar diversos outros livros, como a série A Bíblia para Todos (n. t.
Uma serie de comentários bíblicos). Também escrevi, a pedido da minha editora o
livro Simplesmente Jesus (Simply Jesus: A new vision of who he was, what he did
and why he matters) e em minha mente cresceu o conceito para Como Deus se
tornou Rei (How God became King: The Forgotten Story of the Gospels). Enquanto
isso meu editor ainda me pediu se podia desenvolver um livro a respeito dos
Salmos a partir de uma palestra que tinha dado. Ele disse, pegue a palestra
como estrutura básica e cada vez que abordar um Salmo você amplia um pouco – e
eis que há um livro. Então acabei por fazê-lo em The Case for the Psalms (O
Caso dos Salmos ou Em favor dos Salmos). Assim, fiquei bastante aliviado quando
ano passado o grande livro a respeito de Paulo foi publicado."
Público
Amplo
Trabalhar em todos esses projetos diferentes parece jogar
diversas partidas de xadrez ao mesmo tempo. O público alvo de Wright também
varia bastante. Mas isso o relaxa, diz, com um senso de ironia: “Esses livros
científicos muito amplos me custam muitas gotas de suor. Entre estes escrevo os
livros curtos e populares, e gosto muito disso. Eu gosto muito de escrever e
esses livros para um público mais amplo não me custam tempo demais, muitas
vezes é uma série de palestras, e entre estas apenas adiciono ordem e
estrutura.”
Obviamente relaxar não é a única motivação de Wright. Ele
busca conscientemente o contato com o público amplo nos seus livros populares.
Essa é uma característica marcante das ocupações de Wright, pois são poucos os
seus colegas que conseguiriam fazer o mesmo. “É verdade, e na verdade isso é
uma vergonha,” diz Wright. “Na minha carreira sempre andei nesses dois
caminhos. Eu trabalhava na esfera acadêmica, mas também estava ativo como
pastor, bispo e pregador. Isso se tornou incomum nas esferas cientificas
atuais. O estudo do Novo Testamento tornou-se altamente especializado, e assim
atrai pessoas que gostam de se ater a detalhes. Mas você deve ousar dar o passo
para o público amplo que não quer saber apenas dos detalhes, mas são mais
interessados no quadro maior, mais amplo. E é evidente que se deve fazer isso
sem termos complicados. Quanto a isso, minha família, enquanto eu crescia, me
ensinou uma lição útil. As crianças me faziam perguntas, e quando eu trazia
termos carregados, diziam: “Papai, fale normal!” A partir dessa lição de
humildade vieram os meus livros Simplesmente Jesus e Simplesmente Cristão. E
devo dizer que escrever esse tipo de livros me dá muito prazer.”
Herman
Dooyeweerd
Wright enfatiza que frequentemente suas ideias teológicas
são renovadoras, ou pelo menos surpreendentes. Mas ele também tem as suas
fontes, por exemplo os grandes pensadores aos quais se sente em dívida. Em uma
entrevista para a revista holandesa Wapenveld, Wright cita o nome do filósofo
reformado Herman Dooyeweerd (1894-1977), que concebeu uma cosmovisão filosófica
ampla – a Wijsbegeerte der Wetsidee (N. T. Filosofia da Ideia Cosmonômica) --
na qual ele aborda o todo da realidade, da escola e hospital à economia e ao
sacramento. Wright ficou impressionado com a abordagem Dooyeweerdiana. “Herman
Dooyeweerd foi importante para mim,” conta, “apesar de não ter feito um estudo
rigoroso de sua obra. Suas ideias me alcançaram através de um bom amigo, Brian
Walsh , que foi muito influenciado por Dooyeweerd. No começo da década de 90
demos uma série de palestras juntos em Oxford, na qual deveríamos abordar uma
serie de tópicos, de Novo Testamento a Ética, de forma coerente e uniforme. Eu
estava na fase preparatória dos volumosos livros acadêmicos a respeito do Novo
Testamento, dos quais The New Testament and the People of God (1992) (n.t. O
Novo Testamento e o Povo de Deus) seria o primeiro. Não há dúvida de que devo
às conversas com Brian Walsh a percepção de que o Reino abrangente de Deus se
conecta com a esperança messiânica do Antigo Testamento, e evidentemente com a
maneira como tudo isso foi abordado em Jesus."
Kuyper
Brian Walsh desafiou Wright a pensar diferente do que este
estava acostumado. “Não no sentido de “dai a Deus o que é de Deus e ao imperador
o que pertence ao imperador” – que seriam compartimentos separados – mas
deliberadamente abordar uma profunda conexão entre igreja e mundo. Dooyeweerd
queria integrar todas os aspectos da vida sob o ponto de vista da vitória de
Cristo. Ele estava convencido, assim como C.S. Lewis, que cada centímetro
quadrado e cada segundo é reivindicado por Deus – e também por Satanás. Essa
visão não me era totalmente estranha, estava presente de forma embrionária, mas
eu nunca tinha pensado a respeito nessa profundidade. Agora eu tinha que fazê-lo por causa do
fascínio do meu amigo por Dooyeweerd. E devo dizer que comecei admirar a
consciência intelectual dos pensadores cristãos holandeses – entre os quais
evidentemente também devo citar Kuyper aqui! Era muito diferente do que estava
acostumado da forma mimada e doce dos ingleses pensarem. Não que não conhecesse
pensadores sérios e minuciosos na Inglaterra, mas a meticulosidade dos
pensadores holandeses causou uma mudança em mim.”
Historiografia
e Teologia
Parece que o senhor conscientemente escolhe ser historiador,
por exemplo com o seu modelo de cosmovisão (worldview-model). O senhor não se
profila como alguém que escreve Teologia Bíblica.
“A questão de Deus é uma questão teológica, não há
escapatória, nem se mantivermos uma
perspectiva historiográfica. Para mim essa separação não existe de forma
alguma. Alguns colegas me acusam de teologia bíblica, que entendem ser um
empreendimento tolo e do século 19. O que eu proponho é: entremos no mundo do
Judaísmo do Segundo Templo e então tentemos entender o que importava para a
primeira geração de cristãos. Quando se faz isso, muitas coisas se encaixam.
Nós mantemos tantos anacronismos no Cristianismo atual, desde como explicamos
as parábolas a como entendemos Paulo. Mas tudo entra na perspectiva correta
quando se começa a ver como o Judaísmo do Segundo Templo funciona. Você
realmente tem aqueles momentos de: “Agora sim!” É a partir dessa perspectiva
que tento pensar consequentemente Paulo no contexto da época. Assim sua
pesquisa resulta em respostas históricas e teológicas. O que se ouve dos cristãos
do primeiro século trata de “encarnação”, sobre a questão de quem Deus é, qual
é o significado de Jesus no quadro geral das expectativas messiânicas. Enquanto
pesquisador sempre tentei viver com essa tensão (n.t. No sentido positivo,
emoção, empolgação, ansiedade, anseio), pesquisando a história e a teologia em
conjunto. Minhas publicações podem assim serem classificadas como
historiográficas, teológicas, ou até mesmo missiológicas.”
Construto
teológico
Geralmente se mantêm as disciplinas separadas. Qual o
argumento mais importante para se relacionar mais a teologia bíblica com a
historiografia?
“Os textos do Novo Testamento que na história de Jesus
Cristo se trata da presença direta de Deus. Isso se dá na história real, essa é
a convicção deles. E é exatamente essa afirmação que por muito tempo foi
considerada anátema por estudiosos do Novo Testametno. Considerava-se que era
mais aceitável presumir que os evangelistas não tinham a pretensão de
descreverem a história de forma realista. Para eles tratar-se-ia de um belo
construto teológico que tinha importância para eles. Mas quando lemos Josefo,
ou outros escritores Greco-Romanos, percebemos que eles escrevem de forma
consciente sobre as coisas que aconteciam na época. E é dessa forma que se leem
os evangelhos de forma natural. Isso não é inocente, mas baseia-se na forma
séria dos judeus da época lerem.”
Aconteceu
de verdade
Em How God Became King, 2012 (Como Deus se tornou Rei),
Wright argumenta que o tipo de histórias que os evangelhos contam, tratam de
Deus o Criador e seu mundo. Nesse livro, ele afirma que os evangelhos tratam da
realidade concreta, na qual se realiza uma ação divina. Wright: “Historicamente
não faz sentido dizer que os evangelistas queriam enfatizar uma espiritualidade
platônica, um significado religioso que estaria fora da realidade concreta! É
exatamente isso que eles não têm em vista. O que Marcos, Lucas e os outros
afirmam poderia ser ficção, no sentido de não estar de acordo com os fatos –
mas essa é uma discussão completamente diferente. Mas eles estão convencidos de
que a grande história das escrituras alcançou o seu clímax histórico na vinda
do Messias Jesus. O fator esquecido, que poderia ter levado a interpretação ao
caminho correto, é a expectativa dos profetas do período do Segundo Templo de
que o Deus de Israel realmente retornaria. Deus prometeu que voltaria – mas
ninguém sabe quando! Também não está claro como será ou o que acontecerá. O
retorno de Deus poderia ser assustador, ou talvez empolgante. Mas esse é o
assunto, que na percepção dos evangelistas Jesus assumiu o reinado de Deus.
Eles contam com a convicção de que foi assim que aconteceu, assim Deus
tornou-se rei.”
Irritações
O senhor se mostra
irritado quanto a alguns pontos de vista teológicos. Quais as suas principais
irritações dogmáticas?
“A forma como as pessoas reivindicam uma cristologia
ortodoxa muitas vezes me causa certa resistência. Você deve pensar X ou Y a
respeito de Jesus, e se não o fizer você está fora do barco. Geralmente é a
reinvindicação de que Jesus é Deus. As pessoas presumem que o Jesus humano
poderia sem problemas lembrar-se de como era quando Ele ainda estava com o Pai,
antes de encarnar. Eu acho essa abordagem problemática, porque forca padrões
racionalistas à explicação das Escrituras. Parece que as pessoas querem
subscrever uma fé trinitária ortodoxa a qualquer custo, sem sondarem a
profundidade da mesma. Dá para ouvi-las dizerem: “com certeza, Jesus era Deus!
Eu subscrevo a isso, portanto estou tranquilo”. Mas a verdade é que se trata do
que esse Deus encarnado faz! E o que fará. Se você o limita a “Ele morreu pelos
nossos pecados e vai me levar ao céu”, você está perdendo o ponto central dos 4
evangelhos. De acordo com os evangelhos, Jesus se torna o encarregado. O
próprio Deus está à frente de tudo em Cristo, e isso significa que algo
acontecerá."
Combinação
"A maioria dos cristãos nem para para pensar nisso. Talvez na
Holanda seja diferente, assim como com seus “parentes” calvinistas em Grand
Rapids! Quando eu dei uma palestra no Calvin College sobre How God Became King,
James K. A. Smith me disse: “Você diz que nós nos esquecemos disso mas nas
nossas aulas o reino de Deus e o seu significado concreto são sempre um ponto
central!” Na verdade, suspeito que a teologia holandesa seja uma exceção. Dei
incontáveis palestras e preleções em outras partes da Europa e dos EUA.
Especialmente nos EUA as pessoas dizem: “Nunca ouvimos isso antes!” E quando
digo que presumo que muitos pastores se limitam à mensagem de que Jesus se
tornou Deus somente para nos perdoar e levar ao céu – ouço pessoas dizendo: “é
isso que sempre ouvimos!” Parece que há pouca percepção da atualidade do Reino
de Deus, que, de acordo com Jesus, vem “na terra como no céu”. Quando você
expande para isso as pessoas rapidamente passam a achar que você está trocando
o evangelho da redenção e perdão por um evangelho de melhoras sociais. Mas é
claro que essa é uma conclusão precoce.
Nos evangelhos encontramos a combinação incomum de Reino e Cruz. Os dois, na verdade, andam juntos apesar de a
teologia ocidental ter muita dificuldade em mantê-los juntos. As pessoas
parecem entender que tudo era um sucesso na missão de Jesus, até que algo deu
errado e Ele acabou na cruz. Com isso parece que um plano B entrou em ação
quando sua missão original foi por água abaixo – e o que sobra é apenas uma
morte isolada que nos salva dos nossos pecados."
Solto da
cruz
“A questão central então é: “como os dois se combinam? Como
conectar a sua atuação e sua pregação, suas curas, seu envolvimento critico nas
relações sociais – e por outro lado sua terrível morte e gloriosa
ressurreição?” Simplesmente não se levanta essa questão o bastante. E como
consequência disso se deslizou para uma teologia da cruz, de tons pietistas, na
qual tudo é a respeito da morte salvífica de Jesus, a salvação da minha alma.
Do outro lado do espectro deslizaram para uma forma de horizontalismo social no
qual o reino se soltou da cruz. Mas no grande capítulo da ressurreição – 1
Coríntios 15 – Paulo escreve que a morte de Jesus resulta em seu reinado
concreto, “até que tenha colocado todos os inimigos debaixo de seus pés”. Nesse
sentido o Reino de Deus é uma realidade presente e atual. O Reino evidentemente
ainda não é o reino de paz na qual resultará quando Deus for “tudo em todos” e
a morte for definitivamente derrotada. Mas a partir da ressurreição de Cristo o
mundo mudou definitivamente e Deus ativamente dá forma ao Seu novo mundo.”
Quebra
cabeça
As irritações dogmáticas de Wright se voltam principalmente
ao abismo entre algumas construções dogmáticas e o testemunho dos escritores do
Novo Testamento. Muitos evangélicos na Inglaterra e nos EUA se satisfazem com
os lugares-comuns dogmáticos, observa Wright. “Enquanto você disser que Jesus é
Deus – você está tranquilo. Se subscrever: Jesus morreu no meu lugar – daí está
ótimo! É certo que tais afirmações contêm elementos verdadeiros. Mas é como
montar um quebra-cabeça com as peças nos lugares errados. Você pode até usar
todas as peças, mas como não se encaixam o quadro geral fica deformado. Se
olhar bem, a imagem não convence. Esse também é o problema das grandes
confissões (n.t. De fé): O reino (quase) não é citado. No Credo de Nicéia você
só tem alguma coisa a respeito do Reino lá no final. Então as pessoas pensam:
“Ah, então isso ainda virá!” Em How God became King sou crítico quanto a essa
omissão e sua estrutura teológica, mas não advogo a favor da abolição das
grandes confissões. O que é importante é que as compreendamos de uma maneira
nova: a partir do testemunho dos evangelistas e dos escritores do Novo
Testamento.”
Fonte:
http://tukampen.afasonline.com/nieuwsbericht/nederlandse-theologie-doortastend-stelt-n-t-tom-wright
O livro de Brian Walsh publicado no Brasil é "Visão Tranformadora": http://www.editoraculturacrista.com.br/loja/livro/visao-transformadora-a-marcia-barbutti-1393
ResponderExcluirIsso mesmo, acho que a nota de roda pe se perdeu quando transferi pro blog. Obrigado pelo lembrete Daniel!
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