23 de jan. de 2013

A desesperada necessidade humana de que a(A)lguém esteja lá

A Bíblia constata, no livro de Romanos, algumas raízes da perversão moral humana. As duas partes da afirmação paulina são muito estudadas e expostas na tradição reformada e no L'Abri onde atualmente trabalho. Vejamos o texto básico usado nesse contexto:

"Porquanto, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis."
Romanos 1:21-23  

O objetivo desse texto não é uma exposição exegética do texto mas sim uma reflexão sobre a natureza humana caída e tendenciosa a idolatria.

Quero usar o termo idolatria aqui no seu sentido mais amplo, não reduzindo-o à prostrar-se diante de uma estátua, mas, como diz Tim Keller: "um ídolo é qualquer coisa que absorva seu coração mais do que Deus, i.e., qualquer coisa que seja tão central e essencial em sua vida que, caso você a perca, achará difícil continuar vivendo. Um ídolo tem uma posição de controle tão grande em seu ccoração que você é capaz de gastar com ele a maior parte da sua paixão e energia, seus recursos financeiros e emocionais, sem pensar duas vezes" (Em: Deuses Falsos)

E ainda de acordo com o próprio Keller no livro supracitado: "Um ídolo é qualquer coisa que você olhe e diga, no fundo de seu coração: 'se eu tiver isto, sentirei que minha vida tem sentido, e então saberei que tenho valor, estarei seguro e em posição de importância'"

O ser humano está constantemente buscando alguém a quem possa adorar. Desde os primórdios vamos essa desesperada necessidade de acharmos alguém diante de quem possamos nos prostrar e adorar... A maior tentação, obviamente, é que "nos tornemos como deuses" (vide a história da queda em Gen. 3) ou seja, que encontremos em nós essa pessoa. No entanto, em geral, não somos iludidos o bastante para que nos bastemos e procuramos em figuras externas o nosso "redentor", "salvador" ou "deus". E já que vivemos na época em que "Deus está morto" (famosa afirmação nietzscheana), muitos colocam as suas esperanças em homens.

Como diz o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, parafraseando o escritor britânico G.K. Chesterton: "Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer besteira... Na natureza, na história, na ciência ou em si mesmo. Essa última, eu acho, é a pior de todas. Coisa de gente cafona."(por exemplo aqui)

Assim, tornou-se comum vermos figuras politicas, artistas ou jogadores de futebol sendo adorados pela sua legião de fãs. Um exemplo recente disso pode ser visto numa edição recente da famosa revista norte-americana Newsweek, que colocou o presidente Obama na capa com os dizeres: "A Segunda Vinda, a America espera, será que ele pode libertar (salvar)?". Não li o artigo, mas o título fala por si a respeito da expectativa de grupos americanos quanto ao seu líder. Contatos norte-americanos me contaram que isso está  longe de ser a maior referência messiânica quando o assunto é Obama. Disseram que termos como: "Lightbringer" (aquele que traz a luz) e "Ascended Being" (uma espécie de ser superior). O ator Jamie Foxx, chegou a chamá-lo, num discurso proferido na premiação Soul Train Awards em 2012, de "Our lord and savior" (nosso senhor e salvador), despertando a furia dos cristãos norte-americanos.  

No entanto, ao apostar as suas fichas em homens sempre veremos frustrações. Não há ninguém que seja bom o suficiente para ser colocado como aquele a quem seguimos. Os homens falham, os homens traem, os homens pecam... Não importa quão bom seja o seu idolo futebolístico, haverá jogos em que ele será o principal culpado da derrota do seu time. Nenhum ser humano consegue suprir as nossas necessidades... Muitos americanos hoje já tem essa impressão (ou conclusão) quanto ao Obama, mas muitos outros ainda acham que ele é  o redentor (tanto que foi reeleito e tem artigos sobre ele como no artigo acima...).

No entanto, como o Cazuza cantou, a respeito da geração que queria  mudar o mundo baseado em sua  força e seus heróis: "Os meus  heróis morreram de overdose..." (musica: Ideologia) ou como canta Elis Regina: "Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais..." (musica: Como nossos pais)

Este é o resultado da esperança humanista. Essa é a frustração de cada ser humano que aposta que essa ou aquela pessoa realmente mudará o mundo... Mas então, qual é a esperança?

A esperança é que deixemos de lado a esperança humanista, os ídolos que não passam de criaturas e que prometem muito mas que não tem qualquer possibilidade de cumprirem o que prometem. A esperança é que cumpramos o mandamento: "Amar a Deus acima de todas as coisas"(Mt. 22.37).

Como disse (Santo) Agostinho: "Porque Tu nos fizeste para Ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti..." (Confissões, Livro I, Cap. I)

Enquanto não quebrarmos os "ídolos do nosso coração" (Ez. 14.1-8), seja quais forem, Obama, Lula, Dilma, Neymar, diversão, dinheiro, nós mesmos ou qualquer outra coisa que seja aquilo que define a sua vida, a forma como você age, pensa, define prioridades, etc, seremos desapontados. Nenhum deles consegue suprir a nossa necessidade, nenhum deles tem controle sobre o mundo, nenhum deles pode nos dar a verdadeira esperança de que algo mudará.

O Único que realmente pode fazer a diferença é Aquele que criou os céus e a terra, Aquele em quem, ainda hoje, todas as coisas subsistem, e que fez a paz pelo sangue da sua cruz reconciliando consigo mesmo todas as coisas (Col. 1.15-20).    

Um comentário:

  1. Muito boa postagens, Tijs.

    Esses dias tive a oportunidade de refletir sobre esse tema ao ler o livro Les Misérables. O autor narra o desapego material de um padre que fazia de tudo para cuidar das pessoas miseráveis da região onde vivia, destacando que o único bem que esse padre mantinha e não conseguia se imaginar abrindo mão eram seus talheres de prata e seus castiçais. No entanto, quando policiais o procuraram para que reconhecesse um ladrão que havia roubado seus talheres, para evitar que o ladrão fosse condenado à prisão perpétua e trabalhos forçados o padre disse "você levou os talheres que eu te dei, mas esqueceu os castiçais" e, liberando-se de seus "ídolos", salvou a vida e a alma do ladrão, que se redimiu posteriormente.

    No entanto, eu acho que é possível compreender o que se refere ao Obama e outros "ídolos" através de outra chave de interpretação diferente da chave religiosa. Muitas vezes a "veneração" de algum ídolo serve a outros propósitos e desqualificá-la com motivos religiosos é como ler uma nota na partitura na oitava errada.

    No caso do Obama, a sociologia da religião fala em uma "religião civil" norteamericana. Que na verdade não é uma religião, no sentido em que é o cristianismo. Não promove a relação com o transcendente, nem se dispõe a dar uma explicação revelada à vida, mas empresta à vida política norteamericana uma dignidade exaltada. É uma forma de reforço do patriotismo. Uma "religião" civil que não está em concorrência com as religiões comuns e nem faz qualquer exigência a não ser a fé na democracia.

    Abraços.

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"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona