3 de dez. de 2011

Luz, escuro, contos de fada e monstros


por Tijs van den Brink

Contos de fadas não dizem às crianças que dragões existem. Crianças já sabem que dragões existem. Contos de fadas dizem que dragões podem ser mortos.” G.K. Chesterton

Você pode facilmente perdoar uma criança por ter medo do escuro. A real tragédia da vida, é quando os homens tem medo da luz.” Platão

Devo começar confessando que não sou pedagogo, nem tenho nenhuma formação na psicologia da criança. Este texto é, portanto, de um amador, mas procede da preocupação real com o bem estar de nossas crianças, principalmente as menores.

Também não posso deixar de dizer que, pessoalmente, não sou a favor de crianças pequenas assistirem televisão. Creio que todos nós precisamos ter limites em frente a “telinha” para não nos perdermos no mundo imaginário, esquecendo-nos do real a nossa volta (todos conhecemos aqueles que vivem mais dentro da novela do momento que na sua vida real). Mas não vejo nenhum benefício que a televisão possa trazer às crianças pequenas, principalmente porque, muitas vezes, é uma forma dos pais se “livrarem” dos filhos por algumas horas. Sei que não sou uma grande autoridade para falar do assunto já que ainda não tenho filhos. Mas por causa da minha própria educação, e observando 5 irmãos mais novos sendo educados, além de muitas famílias ao meu redor pela proximidade que a vida em missões propicía, penso que talvez meus insights possam servir para alguém, e, senão, pelo menos para a minha própria reflexão para com meus próprios filhos, quando, pela graça de Deus, me forem concedidos.

Dito isso, chego ao meu verdadeiro ponto nesse texto. Há algum tempo tenho “uma pulga atrás da orelha” quanto a alguns dos desenhos que as crianças tem assistido, mas, indo na contramão do que muitos dizem, não é pelo conteúdo violento ou altamente sexualizado de muitos desenhos e filmes infantis (não nego que estes estejam errados, e que você deva evitar que seus filhos os assistam, mas é por razões muito mais óbvias, além de que muitos outros já se expressaram sobre o assunto, que acho que nem precisamos discutir isso. Se alguém quiser ver ou ouvir mais sobre isso, me dê um toque que posso falar a respeito disso também). Minha preocupação é a respeito dos desenhos que são inocentes demais. Aqueles desenhos em  que tudo é lindo, maravilhoso, colorido e perfeito.

Muito se diz que estes desenhos são pedagógicamente corretos, que estimulam a criança com suas cores e movimentos, repetições e musicas, etc. Que são inocentes e infantis. Mas uma frase de G.K. Chesterton me fez pensar:  “Contos de fadas não dizem às crianças que dragões existem. Crianças já sabem que dragões existem. Contos de fadas dizem que dragões podem ser mortos.” Muito se diz que os desenhos pervertem as crianças, que ensinam a violência, a maldade, estimulam precocemente a sexualidade e até que atrai as crianças ao ocultismo. Muitas pessoas querem colocar nos desenhos animados a culpa pelos horrores que crianças cometem. Novamente, não quero aqui entrar na discussão se alguns desenhos tenham o poder de fazer isso ou não.

Porém, como o Chesterton disse, os desenhos, os contos de fada, não ensinam as crianças que a maldade, a monstuosidade, os “dragões” existem. Todas as crianças sabem muito bem disso. Eles são confrontados com isso todos os dias, nas suas casas, escolas e dentro de si mesmas. Sendo assim, minha preocupação vai de encontro àqueles desenhos animados que tentam negar o fato da existência do mal no mundo. Aqueles desenhos que tentam criar a ilusão de que o mundo, as pessoas, os animais, que tudo é bom, perfeito e agradável.

Principalmente para nós, como cristãos, creio que essa deve ser uma preocupação real, porque se há algo que é claro na narrativa bíblica e na história é que a humanidade não é perfeita, que o mal é uma realidade e que barbaridades e monstruosidades são comuns e recorrentes. Sabemos da realidade da nossa depravação desde a Queda descrita claramente em Gênesis 3, e que, desde então, o mal atingiu as todos nós, e em todas as áreas da existência humana.

Não, não são os desenhos que ensinam nossas crianças que há o mal, elas mesmas já nascem com a maldade, com o pecado dentro de si. E, se não forem muito bem educados, são capazes de cometer todo tipo de horror.

Por isso, não creio numa educação que ignore a existência do mal, e, portanto, não acredito em desenhos (supostamente) pedagógicos que o ignorem. Não, a educação, os desenhos, os pais, nada disso ensina a criança que o mal existe, que os dragões existem, disso ela sabe muito bem, pois o vê dentro de si mesma. Mas, como disse o Chesterton, os contos de fada, os desenhos, nossa pedagogia nesse sentido, devem ensinar que o mal pode, e deve, ser derrotado.

Porque então os nossos desenhos chegaram a esse ponto? Para isso, creio que a frase de Platão se aplica perfeitamente: “Você pode facilmente perdoar uma criança por ter medo do escuro. A real tragédia da vida, é quando os homens tem medo da luz.” A grande surpresa dos nossos tempos não é que as crianças têm medo do escuro, isso elas sempre tiveram. Como já disse antes, elas sabem que há algo de errado, e por isso sentem medo, por exemplo quando  são separados daqueles que os protegem, ou, deveriam proteger, que são os pais. Por isso, não há nada de errado se uma criança tem medo de ficar sozinha no quarto, no escuro (claro que, se seu filho ainda sofre disso aos 16 anos é para se preocupar!). A real questão, que fica explícita nessa questão dos desenhos, é o medo que os adultos têm da luz.

Sim, porque a questão que para mim, talvez não seja tanto que os adultos temem que as crianças saibam que existe o mal, mas que eles (os adultos) querem evitar essa questão. Na nossa era de relativismos se tornou muito difícil falar de questões como maldade, erro, pecado, etc. De certa forma porque não é políticamente correto. Quem sou eu para julgar se o que você crê ou faz é errado (desde que não seja prejudicial para mim, claro), isso é relativo. Depende da sua crença.

Mas nisso tem outra questão, pois, se há o “mal”, se existe a “maldade”, há também o “bem”. Por exemplo, muitas pessoas querem usar o Nazismo, e o Holocausto como provas de que Deus não existe, “se Deus estivesse aí Ele tinha impedido que 6 milhões de Judeus fossem assassinados.” Mas o Holocausto não é a prova que Deus não existe, mas a prova de que o mal existe, e que nós somos muito capazes de cometê-lo. Como disse o teólogo Richard Niebuhr: Se existe uma doutrina que tem prova empírica é a doutrina da queda.”O problema é que, se você reclama que o mal existe, e, se você diz que o que os Nazistas fizeram é errado, é porque sabe que há um bem, é porque sabe o que é certo, e que o mal é infinitamente condenável.       

O problema, portanto, está no fato que  filosóficamente os adultos querem viver sem fazer julgamentos morais, sem precisar se pronunciar sobre o certo e o errado, sem confrontar luz e trevas. Na prática, porém, é impossível viver sem saber o que é certo ou errado. Na prática todos nós concordamos (ou, pelo menos, assim espero) que o assassinato, o estupro e a pedofilia são errados.

(Uma artigo interessante sobre esse assunto, escrito pelo Guilherme de Carvalho podeser lido aqui)

No entanto, filosóficamente, os adultos querem evitar esse ponto, e para isso querem adiá-lo enquanto puderem. Por isso querem que seus filhos assistam desenhos água-com-açucar, em que tudo é lindo, maravilhoso, perfeito e puro, e não há nenhuma idéia de mal, criando assim uma geração de crianças alienadas da realidade do mundo, entupidos de programas coloridos, musicais, mas completamente fora da percepção que as próprias crianças têm do mundo, a partir dos seguros (às vez nem tanto...) sofás da sua casa.    

Como então deveriam ser os desenhos ou programas que as crianças assistem? Creio que um bom exemplo cristão seria “As Crônicas de Nárnia”, do escritor C.S. Lewis. Se você não conhece dê uma olhada aqui e depois corra para a internet para providenciar os livros! (Sim, porque a ordem correta continua sendo, leia o livro e só depois assista o filme!!!)

As Crônicas lidam, ao mesmo tempo e equilibradamente, com o encanto e com o realismo. Lewis afasta-se tanto do água-com-açúcar dos contos de fada cor de rosa, como da violência gratuita da "nova literatura infantil" (como a veiculada por certos desenhos animados de TV).  Lewis prova, nos seus fantásticos livros, que é possivel escrever para um público infanto-juvenil (mesmo que o livro seja mais profundo que muitos livros que a maioria dos adultos lêem...), sem precisar apelar ou para a ilusão ou para a violência.

Precisamos de uma nova geração de programas infantis. Desenhos que mostrarão um mundo belo, colorido e diversificado, pois é criação de Deus. Desenhos que mostrarão a realidade do mal, da perversão, da depravação, pois houve a queda do homem. E desenhos que serão cheios de esperança, de vitória do bem sobre o mal, de bondade, graça e sacrifício, que mostram que os dragões são derrotados, pois há redenção. 

E aí, alguém topa o desafio? 

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"Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face."

Agostinho de Hipona